sábado, 1 de outubro de 2011

Gisele Bündchen de lingerie é alvo do moralismo oficial


A tentativa de retirar da TV a campanha comercial da marca de lingeries Hope, que tem a modelo Gisele Bündchen como estrela, é a mais recente manifestação do desejo do governo assumir o papel de bedel da sociedade, ditando o que é certo e errado. A peça publicitária, que se vale da beleza e das formas de Gisele, usa de humor para mostrar como as mulheres devem dar más notícias aos maridos. Nas peças, Gisele aparece de calcinha e sutiã relatando que bateu o carro ou estourou o limite do cartão de crédito.

Para a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), órgão da Presidência da República comandado pela ministra Iriny Lopes, a campanha, no ar desde o dia 20, “promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido e ignora os grandes avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas”. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu processo para investigar o caso depois de vinte reclamações na ouvidoria da SPM.

Massacre
Já seria ruim se fosse um caso isolado. Mas, para usar o horrendo português da nota oficial, a intervenção da SPM "promove o reforço" de uma tendência. O sociólogo Demétrio Magnoli (referindo-se às reiteradas tentativas de passar legislação que proiba o uso de armas de fogo) assim a descreve:  “Políticos defendem que o estado deve tutelar a sociedade, subtraindo direitos dos cidadãos para protegê-los deles mesmos.”

Em fevereiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde, tentou banir do mercado os anorexígenos, ignorando os argumentos dos médicos, para os quais ao menos alguns desses remédios, como a sibutramina, são importantes para o tratamento da obesidade.

Submissão
No caso Hope-Gisele, em artigo divulgado nesta quinta, a coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, Carmen Hein de Campos, argumenta que a retirada do ar seria “uma demonstração de respeito às mulheres”. Curioso. A mesma Gisele Bündchen há alguns meses protagoniza uma hilária campanha para a TV paga Sky, onde aparece esfregando chão e limpando janelas, linda e submissa a um marido que não larga o controle remoto. Em uma das peças, ele a manda pegar cerveja. Em vez de um “por favor”, ele a chama de “gostosa”. Ninguém reclamou.

Um dos idealizadores da campanha, Adílson Xavier, diretor de criação da agência Giovanni+DraftFCB, que também fez as peças para a Sky, acha que muita gente perdeu a capacidade de achar graça na vida. “Para que tanta fúria? Será que não percebem que ninguém imagina a Gisele Bündchen em nenhuma daquelas situações? Ela é linda, bem sucedida, admirada pelos brasileiros. E o público é maduro o suficiente, sabe o que é humor”, diz. Em nota divulgada na quarta, a agência explicou o óbvio:  que seria absurdo desvalorizar as mulheres, o público-alvo de seu cliente.

Cerveja
Para o professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing José Carlos Rodrigues, episódio embute o risco de o julgamento moral de uma minoria ser imposto à maioria. “O conceito de certo e errado é moral, coisa de religião. O papel do governo não é doutrinar nem fazer pregação. É seguir a sociedade, não o contrário”, diz. O alerta não é muito diferente daquele que surge quando o governo insiste na instalação de "conselhos" para "supervisonar" a imprensa. Um desculpa para censurar.

A celeuma deve se arrastar. Na tarde desta sexta-feira, o Conar acumulava 30 reclamações contra a campanha da Hope, algumas vindas de homens. O teor das queixas eram sexismo e ofensa à condição feminina. Diante disso, o conselho decidiu abrir um processo para analisar o caso. O julgamento deve ocorrer em 45 dias, mas pode ser adiantado. Já Gisele Bündchen lançou nota oficial, lamentando que “algo que era para ser divertido tenha tido outra interpretação”. Ela tem toda a razão.